terça-feira, 18 de setembro de 2007

AH, SE EU PUDESSE

Voltei a ser amargo após tanto tempo de chuvas aguando os meus secos dias. Não mais quero saber de pizzas 4 queijos, elas hoje tem sabor de dor. Dores também são providas de sabores: amargos, azedos e fel.
Minha cozinha, embora tão bem decorada, também perdeu a luz; meus quadros na parede já não me dizem mais nada, mesmo tendo sido eu o autor desses emaranhados de cores.
Escrever ? Essa secura dos meus dias me arrancou montes de motes, as palavras não fluem e os pensamentos não movem magicamente minhas mãos, até os que existem não fazem por merecer a brancura do papel.
Quero ir ali, ou mesmo só sair daqui, estou seco, estou amargo, verdadeiramente amargo, os sons que me chegam não mais se fazem música, seria este o estágio final ? A ante-sala do inferno ? Ou são apenas dias, aqueles dias, em que rogamos em alto e bom som: Ah, se eu pudesse estar agora na Korea vibrando com os dribles e gols de Romário !
Não, definitivamente não seriam as pernas malemolentes do craque que me trariam de volta a leveza e o prazer do simplesmente estar vivo. Xô! Baixo astral, ou mais cientificamente, xô ! "crise existencial". Quem sabe a música de Djavan não me retorne a doçura dos versos que agora preciso ? Ou Adélia, proseando comigo não me mostraria em poesias precisas e fatais o quanto é saboroso o cigarro pós sexo ?
Prazeres são muitos, pudesse, quem dera pudesse, desfrutá-los todos de uma só vez, vivendo com isso a véspera de minha morte ?
Ah, se eu pudesse, como um garoto levado, fazer um xixi na horta do vizinho deplorável ! Quebrar todos os cd’s daquela dupla que me irrita e me enlouquece ! Quem dera eu pudesse pichar os muros da cidade com mensagens de repúdio à brancura química de Michael Jackson ou até assumir, publicamente, a minha admiração por Sadan Hussein.
São sonhos, pequenos pedacinhos de meus desejos de felicidade... Ah, se eu pudesse !
Acordo bêbado de auto-piedade e nada pude.
Reencontro as contas por debaixo da porta, o irritante ruído da panela de pressão, uma conexão que não para de pé e, sempre no melhor da conversa, travo, empaco, caio. E como se fosse possível e se eu pudesse, queria ser Caio, Caio Fernando Abreu, poeta, mago. Aquele que sabia o sopro certo para espantar negras nuvens.
Tudo isso passa, são só momentos, claro que queria apressar suas idas, mas para isto não tenho lá muito poder. Ah , se eu pudesse.

Nenhum comentário:

Colaboradores


Confira

Cronicas de Abnegada Abgail
Fotografias do Mundo
Crônicas de dores passíveis
Crônicas de amores possíveis
Artigos da Revista Telas e Artes