sexta-feira, 28 de setembro de 2007

COMO ERA GOSTOSO O NOSSO ALEMÃO

Houve uma, duas ou três vezes em que ouvi histórias de um outro mundo, de um outro tempo, a tosca calçada capistrana que nos servia de auditório, foi testemunha de passagens inesquecivelmente saudosas.
Havia rumores de que aquele gigante loiro chegando aos dois metros, teria sido um terrível nazista, comedor de criancinhas, (mas isso não era coisa de comunista ?). O processo de aproximação se fez lento e gradativo, éramos moleques de rua, jurando nada temer, mas ele nos causava uma certa inquietação, porém, suas maçãs rosadas no rosto, foram as reais responsáveis pela nossa simpatia e pela aproximação. Sabíamos ser de um país que atendia pelo nome de Alemanha, o que para nós parecia uma outra galáxia, só isso bastava para exacerbar nossa curiosidade.
Não era Fritz, Otto, Hans ou qualquer outros nomes alemães que conhecíamos assistindo filmes de guerra no velho cinema da cidade, atendia por um nome relativamente doce para um homenzarrão daquele, “Alec”, e o senhor Alec não conseguiu impor o seu epíteto àquela cidade, onde entre curiosidades, respeito e medo, todos só se referiam a ele como o “Alemão”.
Era raro sua presença pelas ruas, quando das quermesses ele se reservava em doar algumas prendas para as barraquinhas e trancava-se dentro de um enorme casarão parecendo querer evitar o vozerio festeiro das nossas tão divertidas festas. Bom brasileiro que somos, descobrimos ser o portão de Alec um perfeito gol para nossas “peladas” vespertinas.
Tinha realmente o formato de uma belo travessão com dois pilares nos servindo de traves. Ele nunca parecia se importar com o alvoroço incontrolável da molecada bem embaixo de sua janela, mas perdemos muitas bolas, apenas pelo medo de pedir a tão soturno morador que as devolvesse ao jogo.
Era um sábado iluminado pelo sempre lustroso sol das Minas Gerais e o jogo fazia-se esfuziante, eu em um chute, de quem nunca nasceu para brilhar dentro das quatro linhas, arremessei a bola para onde ela menos devia ter sido endereçada, barulhos de vidro quebrando-se seguidos de silêncio geral, nenhum menino se atreveu a manter-se a menos de 100 metros do desastre, devidamente escondidos aguardávamos algum sinal do alemão, de súbito, rompe o portão a imensa figura das bochechas rosadas, trazendo na mão um saco de linhagem apinhado de bolas e uma enorme botija de água, não sabíamos o que se passava pela cabeça de Alec, me enchi de coragem e decidi que iria enfrentá-lo no intuito de me desculpar pelo prejuízo da janela, me aproximei e notei que ele não tirou os olhos de mim e, antes que eu pronunciasse alguma palavra ele me ofereceu um copo de alumínio muito brilhante o qual segurei, até para não contrariá-lo e tomei, como que ingerisse um merecido veneno.
Outros meninos foram se aproximando e sorvendo da mesma caneca que eu, e, em uma química inexplicável, o seu olhar nos arrebatou todo o medo, ouvimos pela primeira a sua rouca voz, estranha, sua fala era carregada de ‘erres’ .
Alguns conselhos sobre pontaria no chute e algumas histórias sobre seu país e o futebol, do qual parecia ser fã. Devolveu-nos as bolas e voltou para a assombrada casa. A partir de então, todas as tardes, após a peleja que agora o tinha como platéia, tomávamos de sua água e sentávamos ao seu redor para ouvir as mais belas histórias, de outros mundos, de outras gentes, de outra galáxia.
Ainda hoje, com uns bons anos passados, ainda ouço em minhas lembranças, a sua rouca voz, cheinha de rrrrrrrrrrrrrrrr iniciando mais uma história:
__ ERRA UMA VEZ....

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