sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A COINCIDÊNCIA DAS HORAS

Ainda não eram três horas ( ou quinze como queiram ), Ju se agitava pela casa, entre troca de vestido , blusas e colares que combinassem. Ao passo que ia falando, secava desesperadamente o cabelo e ia ao mesmo tempo experimentando todas as alternativas que o seu guarda-roupas permitia.___ Calma Ju, a entrevista é as cinco.
___ Ah neim, não gostei desse batom, nada a ver com a saia...
___ Ju, você tá linda !
___ O que você acha daquele vestido preto de alças,
___ Você é quem sabe, gostei dessa saia com essa blusa, impressiona,
___ Jura ?
___ Claro neguinha, tá um charme,
___ Então escolha você esse, ou aquele colar ?
___ Prefiro este mais discreto, não chama tanto atenção;
___ O que você quer dizer com isso ?
___ Na boa, aquele ali é meio perua !
___ Meu Deus, 15 para a três, como eu estou ?
___ Cheirosa e bela, vai dar tudo cerro meu amor.
___ Será que tenho alguma chance ?
___ Todas Ju, além de linda, você é competente, dá um beijo aqui ...
___ smackkkk, tô atrasada, caramba três hora, fui.
E lá se foi minha linda para o que seria o passaporte para o seu futuro, empresa grande, salário promissor, etc, etc...
___ Você me empresta o carro ?
___ Toma a chave aqui, juízo, e tenha tranqüilidade tudo vai dar certo, beijos...
Eu fingindo não estar ansioso, torcia por ela, a boca era boa. Possíveis chances de gerência, na sua área, certo que essas entrevistas com executivos não nos prometem muita coisa, mas conhecia a fera, quando desandasse a falar , convenceria qualquer doutor, já me fez comprar uma cota de clube que ainda nem existia, me garantindo que era um grande investimento, estou esperando até hoje.De folga, deitei após umas cervejas e dormi, isso era uma terça-feira de abril, e eu, com a certeza de um grande resultado da tal entrevista de Ju, dormi o sono dos justos.
Tinha um bom carro, daqueles modelos onde a maioria dos controles não passava do apertar de botões, Ju era uma excelente motorista, apesar de eu nunca ter admitido isso em sua presença, estava tranqüilo, um dia como outro qualquer, a não ser pela certeza de que o emprego de minha doce amada estava praticamente garantido.
Seis da tarde, nada, sabia que independente do resultado da fatídica entrevista, eu seria o primeiro a saber, acordado agora, de olho no telefone, aguardava notícias, liguei a tv, liguei o som. Liguei o microondas e adentramos as sete horas, comecei a me preocupar. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi que tudo deu errado e a danadinha lamentava inconsolável em algum banco da orla.Sete e trinta, toca o telefone, é ela
___ Oi amor o que houve ?
___ Boa Noite, sargento Carlos, senhor um sério acidente com o veículo em seu nome, o condutor se encontra hospitalizado no centro..................... já não ouvia coisa com coisa e aos trancos me troquei e me dirigi às pressas ao hospital indicado.
___ Calma neguinha, você vai sair dessa !
Dela nada ouvi.
___ Não fala nada agora não, tô aqui do seu lado.
Ju foi encaminhada a uma sala de cirurgia, onde tentariam, mesmo que por milagre, lhe devolver a vida.Permaneci sereno, sentado em um banco frio do Pronto Socorro, parentes foram chegando, eu sinceramente não me animava à comentários.
A noite adentrou, eu tinhas fome, tinha sede, tinha medo e, claro tinha esperança de que aquilo acabasse logo.
As madrugadas em hospitais são sinistras, chegam casos absurdos, acidentes mil, aquilo me trazia uma enorme agonia.
As três horas da manhã, me anunciaram a morte de Juliana.
Hoje quando me pego quase que por instinto olhando o relógio e vendo os ponteiros nesse terrível ângulo de 45 graus, me atordôo, me pego assustado.
As três horas de um mês de abril, havia perdido um pedaço de mim.

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