terça-feira, 18 de setembro de 2007

EU E MINHA TÁBUA!


Todo mundo já teve uma "tábua da carne", objeto de madeira retangular com uma extensão que poderíamos chamar de "cabo" , pode até parecer loucura mas a minha tem histórias pra contar. Estive hoje olhando pra ela, muitos cortes, a madeira toda ferida, sulcos profundos e, para cada um, uma história.
Foi quando um músico famoso esteve aqui em minha cozinha e eu cortando , na tábua, o pimentão, conversava sobre os destinos da MPB, estão ali as provas, ranhuras na madeira, eu e ele (o músico famoso) preparando com cuidado e pouca habilidade o que viria a ser um strogonoff (é assim que se escreve ?). Comemos bem, o melhor foi o arroz que não passou pela tábua, mas encontramos saída para os novos destinos criativos musicais brasileiros.
De outra feita, um poeta, maligno, pura revolta, eu retalhando a carne sobre a velha tábua, o ouvia e (intimamente) não concordava com as suas posições, apenas avaliava o rumo da literatura contemporânea e do assado que viria a seguir.
Houve também uma mulher, não apenas uma mulher do sexo feminino, uma mulher pela qual a cebola deveria ser minuciosamente cortada (na tábua), não queríamos hálitos comprometedores, afinal minha esperança era beijá-la, assim como no filme do Zeffirelli (é assim que se escreve ?) , um beijo cinematográfico. Ela disse ter adorado a comida e foi-se sem ao menos sentir, além do sabor do peixe, o sabor de minha boca sedenta, impudicícia (nas duas acepções) e desejosa.
Minha mãe esteve aqui, mãe é mãe, corri para a tábua e como um sushimam, (é assim que se escreve ?) corri a agradá-la, na tábua, pedacinhos bem cortados de cogumelos (comestíveis) , depois de tudo pronto, ela, como não haveria de ser, despejou uma lista de defeitos, inclusive na tábua.
Ainda ontem esteve aqui um velho amigo, daqueles que não se vê a tempos, conversamos sobre o que foi feito de nós e de nossas vidas, nos encantamos com a música que tocava, afinal pra isso eu tenho bom gosto. Era chegada a hora do fatídico almoço, corri para a tábua e, picando, rasgando, e tentando mostrar o cozinheiro que há em mim, fui maltratando incondicionalmente a minha velha companheira, cortes dali, cortes daqui, afinal ninguém ama uma tábua de carne, um pedaço de madeira, então abusei e preparei com maestria um belo filet (esse eu tenho certeza que é assim que se escreve, ou não ?) cortei, bati, torci e temperei (imaginem sal e alho por sobre feridas ?), comemos e falamos, não necessariamente nessa ordem, mas ao fim, estávamos satisfeitos e felizes... De barriga cheia ninguém é ruim.
São tantas emoções gravadas nos sulcos daquele pedaço de madeira que não me cabe aqui lembrá-las todas, cada corte uma história, cada dor, outra semelhante, eu e minha tábua de carne, claro que poderia ter escolhido as almofadas da sala, a cama, o aparelho de som, a janela e tudo o que poderia ser um pouco mais romântico mas, que me desculpe o vídeo, o pedaço tosco de madeira, tem mais histórias pra contar.
Saudades de minha irmã...

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